
Brincadeiras entre dois mundos
Videogames e jogos eletrônicos em geral têm sido associados ao sedentarismo e obesidade infantil. Crianças perdem a noção do tempo imaginando pertencer e viver em mundos virtuais criados por artistas de diversas matizes: roteiristas, designers, programadores, psicólogos, somente para nomear algumas. Esses se reunem quase que em um complô para construir cenários e interações capazes de sequestrar mentes de crianças, adolescentes e até mesmo adultos. Essas mentes sequestradas embarcam em aventuras digitais tão envolventes que os fazem perder a noção do tempo e deixar de realizar tarefas do dia a dia, de curtir a vida real no mundo real. Também pudera, nesses mundos somos super-heróis imortais, invencíveis, capazes de feitos extraordinários, inimagináveis no mundo real. Quem não quer trocar de vida? Quem, quando criança, nunca sonhou em ser uma daquelas personagens criadas pelo grande Stan Lee?
De tempos em tempos aparecem propostas de games que nos põe em movimento. O Nintendo Wii, lançado há mais de uma década, tinha controles que se transformavam em raquetes de tênis, luvas de boxe… Podíamos jogar com grandes tenistas e treinar tanto que poderíamos até chegar a ganharmos deles um dia. O mais legal é a bolinha não cair no quintal da vizinha. A Nintendo inovou ainda mais quando criou o Wii fit com o balance board. Esse dispositivo permitia que o usuário capturasse automaticamente seu peso e ainda oferecia um pacote de aplicações que treinava o seu usuário a melhorar seu equilíbrio através de jogos de yoga, andar de ski, cabecear bolas virtuais. Era uma espécie de híbrido entre os mundos reais e imaginários. Mais recentemente, Pokemon Go nos transformou em caçadores de monstros virtuais que poderiam ser encontrados no mundo real. Entretanto, esse ultimo não tinha relação com a saúde e qualidade de vida de seus usuários, somente pura diversão.
Os projetistas desses games de fato avançaram, talvez até o ponto de se livrarem do estigma de fabricando de sedentários. A inovacao da Nintendo, apesar de ter sido extraordinária não foi capaz de tornar mais sadia a vida da maioria de seus clientes. O assunto é complexo. No entanto, ao mesmo tempo novas consoles cada vez mais poderosas, com gráficos cada vez mais espetaculares continuam a alimentar a fábrica de obesos.
Com o passar do tempo, felizmente, boa parte da população começou a se preocupar com a saúde. A industria eletrônica enxergou o mercado despontando. Começaram a surgir aplicativos embarcados em celulares que a princípio serviam apenas de lugares práticos para armazenar dados inseridos manualmente. Os aparelhos foram se tornando mais potentes e contar com diversos sensores embarcados como acelerômetros, GPS, giroscópio. Usá-los no braço enquanto fazemos exercícios passou a ser algo corriqueiro. Nessa esteira surgiram os Wearables e pessoas passaram a usá-los até para dormir e entender como a qualidade do sono interfere na saúde. Aplicativos que servem de coaches virtuais são uma verdadeira febre hoje em dia, substituindo de forma polêmica profissionais como educadores físicos, nutricionistas. No entanto, a população que adere a esse tipo de tecnologias é fundamentalmente composta de adultos.
É preciso educarmos em saúde as crianças para que se tornem adultos saudáveis. Combater a obesidade infantil. É preciso convocarmos os mesmos artistas fabricantes de crianças obesas e dar-lhes uma nova direção. Como nas comics devemos convertê-los para o lado do bem. Devemos nos valer das lições aprendidas com as gerações anteriores: fantasia, diversão, roteiro, engajamento, atividades no mundo real, wearables, internet das coisas, conhecimentos de diversos profissionais de saúde. O projeto Ocariot busca precisamente isso: a partir da orquestração das tecnologias disponíveis e lições do passado propor uma tecnologia que de fato mude a vida das crianças. Conhecimento e autoconhecimento também serão armas empregadas nessa luta. Nesse novo mundo híbrido, os super-heróis continuam no mundo imaginário e os jogadores são crianças reais. Seres do mundo imaginário são coaches saúde de crianças. As missões ocorrem no mundo real, afinal busca-se resultados no mundo real. Missões tem objetivos educativos. Os desafios são muitos, mas o direcionamento apresenta uma chance real de sucesso. Ocariot está apenas no começo. Acompanhe aqui sua evolução. Dê ideias.
Matéria escrita por:
Francisco Carlos de Mattos Brito Oliveira
Doutor em ciência da computação pela Universidade Virginia Tech, EUA
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